segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Capitulo VI

Quando acordei daquele sonho, tinha o meu corpo todo molhado, pareceu-me tudo tão real.... Mas mais uma vez tinha acordado e Ana não estava ali.


Fiquei a pensar na nossa viagem para a Austrália. Tínhamos sonhado tanto com ela. Era a lua-de-mel que nunca poderamos ter, íamos para um sítio mágico onde as nossas almas se entregariam ao sabor do vento, à esperança de nunca terem de se separar.

Quando casámos Ana já estava grávida, e Ana foi aconselhada a não fazer uma viagem tão longa e cansativa. Depois as crianças nasceram, os cuidados que tínhamos e queríamos ter com elas nunca permitiram que essa viagem fosse feita.

Este era o ano certo para a fazer, os miúdos já suportariam a nossa ausência, mas acho que acima de tudo nós já conseguíamos estar longe deles por algum tempo, pois até aqui nunca nos quisemos separar deles!

Assim que soube da viagem, Amélia ofereceu-se para ficar com eles, e disse que não iria aceitar que os deixássemos com mais ninguém. Eles também eram novos para ir connosco, portanto foi uma decisão que nos agradou a ambos, tanto porque Amélia era a pessoa em quem mais eles confiavam, e em quem nós poderíamos acreditar que seriam uns deuses nas suas mãos.

Uns dias antes da nossa viagem, estava no hospital e ouço o meu telefone tocar e uma voz do outro lado, era a Ana.

- Amor, a que horas sais? - o meu cansaço que era evidente, transformou-se num enorme sorriso.

- Saio às 20h, hoje tenho consultas, mas porquê? - Interroguei-a eu intrigado, pela estranheza daquela chamada.

- Eu vou-te buscar, tenho uma surpresa para ti. - disse ela libertando um breve sorriso.

Eram 20h, nem mais um minuto e volta a tocar o meu telefone, mas estava ocupado e simplesmente vi que era o número de Ana, percebi que já deveria estar à minha espera.

Acabei as consultas, tiro a bata, e como que adivinhando que acabara o trabalho, Ana perguntava-me se demorava para sair.

Saí do hospital, e vejo o carro dela estacionado mesmo ao lado do meu. Entrei no carro e, como se não nos víssemos há meses ou anos, caímos nos lábios um do outro. - Adoro recordar o sabor da sua boca, o cheiro do seu perfume, o calor dos nossos beijos. - Ela, sem me dizer o porquê de tanto mistério em relação ao rumo que tomávamos, colocava a nossa música no rádio.

Seguia silenciosamente em direcção a Sul, não me dissera para onde seguíamos, simplesmente, pedira-me para não lhe fazer perguntas sobre o nosso destino. Com uma curiosidade estampada no rosto uma questão me surgiu.

- Onde estão os meninos?

- Em casa com a Amélia e com o Bernardo, ficaram bem cuidados, não te preocupes, simplesmente eu tratei de tudo! - disse ela com um ar de certeza e confiança.

A viagem decorria e íamos conversando sobre o trabalho, sobre a escola das crianças, íamos partilhando o nosso dia, as nossas preocupações, quando...

- Mas... - disse eu quando me apercebi que tomávamos a direcção de Espinho - sinceramente, o que vimos aqui fazer?

- Há muitos anos que não vinhamos aqui! - respondeu ela com um sorriso.

Mais dois minutos de viagem, até que estacionou o carro. Recordava aquele sítio, tinha sido o sítio onde tinhamos estado no dia em que a consegui convencer a sair comigo, tinha sido naquele sítio que tinha conseguido roubar-lhe o nosso primeiro beijo.

Entramos no restaurante, sentamo-nos numa mesa no meio da sala, uma mesa que tinha uma decoração muito simples. Os nossos dois pratos, os talheres, dois copos e um guardanapo com duas letras um G e um A sobre cada prato. Ao nosso lado estava um aquário, onde estavam uma série de peixes.

Um senhor muito simpático dirigiu-se a nós e rapidamente disse a Ana que o nosso pedido estava pronto, se poderia começar a servir. Ana pediu para esperar mais uns minutos e que depois poderiam trazer.

Cruzando as mãos em frente da boca, esperei que ela me dissesse o porquê de tanta surpresa, o porquê daquela visita inesperada, aquele sítio tão mágico para nós.

- Primeiro este foi o local do nosso primeiro encontro a sós! - disse ela com um brilho nos olhos. - Em segundo porque foi aqui que eu senti que tu eras a tal pessoa, aquela pessoa que me fazia corar, aquela pessoa que me fazia tremer, e foi aqui que encontrei a felicidade, e a minha felicidade és tu!

- Eu sei, sim eu recordo-me que foi aqui que nos beijamos, eu recordo-me que foi aqui que pela primeira vez senti o doce sabor dos teus lábios, foi aqui neste mesmo restaurante, nesta mesma mesa, que o meu sonho começou a ser concretizado. - disse eu pousando os braços sobre a mesa para conseguir tocar as suas mãos.

Entrelaçando os dedos dela nos meus continuou. - Mas o facto de estarmos aqui não é só por ter sido neste sítio, eu tenho uma coisa que quero que tu vejas. E achei que este seria o local ideal para que isso acontecesse.

Coloquei um ar apreensivo, um ar admirado - Mas, uma coisas que não saiba, meu amor? Mas isso será bom ou nem por isso?

Com um sorriso apaziguador, como só ela tinha, Ana quebrou a momentânea ansiedade – Tonto. Quero revelar-te o meu cantinho secreto. Nunca te disse isto, mas, mantenho um diário desde miúda.

Surpreendido, mas aliviado, olhei-a nos olhos. Sabia que era algo de muito importante para ela. Era como que um reforçar da nossa relação. O quebrar de qualquer barreira.

Levantou-se da sua cadeira, já com o diário na mão, e entregou-mo no enlace de um beijo. Quero que o leias. – Disse ela. Quero que saibas tudo o que senti desde que te conheci.

Sentou-se novamente lançando-me um olhar terno. - Queres mesmo que o leia? – Perguntei com um ar de preocupação. - Não estás a testar-me?

- Não, tontinho, não quero testar-te de forma alguma. Lê! Por favor…

Neste momento chegou o empregado para nos servir. – Os senhores desejam que sirva o jantar? – Estava tão surpreso com a situação que me limitei a gesticular qualquer coisa com as mãos, que nos concedesse um pouco de tempo a mais… o rapaz compreendeu, anuindo com a cabeça, afastando-se.

- Posso ler tudo?

- Podes. Nesse volume que trouxe estão apenas as minhas memórias do tempo em que nos conhecemos.

- Queres dizer que não é tudo?

- Claro que não. Teria sido uma vida muito monótona se estivesse tudo num só volume! – Disse ela com um ar trocista.

- Nunca pensei, que ao fim destes anos, ainda tivesses segredos para mim.

- Todos nós temos o nosso lugar secreto. Queres-me convencer que não tens o teu?