sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Capitulo III

A menos de 30 km daqui Bernardo, olhava incrédulo a terra que deixara ainda não tinha feito 2 meses. Inquietavam-no as palavras proferidas por Amélia aquando do último encontro. Agora a face morena marcada pelo sol e pela brisa gelada do mar do norte e as mãos marcadas pelas redes ásperas e salgadas, pareciam fazer esquecer a dor do último encontro, mas aquele pedaço de papel que agora amarrotava entre as mãos, e a terra que avistava sob o deslizar calmo do barco de arrasto, tornavam aquele momento ainda mais difícil, quase que insuperável.
Fazia quase dois meses que saíra do porto de Viana a bordo do navio em que agora regressava. No dia em que partira tinha a certeza que aquele era o pior dia da sua vida, no entanto, agora a perda da única pessoa que o parecia compreender, e a angustia dos últimos tempos, tornavam o regresso ainda mais difícil.
A morte de Amélia embora o entristecera também o tranquilizava. Agora sabia que os próximos dias podiam ser solitários, mas no final Amélia estaria à sua espera.

Depois de toda a tragédia pela qual eu e Bernardo tínhamos passado eu tinha decidido mudar a minha vida, era necessário tomar uma atitude drástica que me fizesse ganhar coragem para viver de novo.

Peguei nos meus filhos, e optei por mudar de cidade, deixar para trás a cidade onde tudo tinha acontecido, e como sabia que naquele momento já não era eu que precisava de apoio mas sim o Bernardo, mudámo-nos para Viana, terra onde a minha irmã tinha começado a sua vida depois de se casar.

Apesar de terem sido muito felizes, Bernardo e Amélia nunca tinham tido tempo para ter filhos, talvez porque ele era um homem muito ocupado, tinham optado por deixar esse passo da sua vida para mais tarde, sempre o tinha ouvido dizer "quando tivermos um filho deixarei o mar, quero ser um pai a tempo inteiro".

Quando tomei a decisão de mudança só pensava na celebre frase que diz que as crianças são a alegria do mundo, e sem duvida que são, depois que o Bernardo se começou a relacionar com os meus filhos voltou a sorrir, ver os garotos a brincar na areia da praia, a fazer traquinices, deixava-o feliz.


Bernardo foi o verdadeiro amor da minha irmã Amélia, o homem que certamente a faria muito feliz, e fez enquanto as suas vidas se cruzaram, o homem com quem ela fez todo o tipo de planos, construiu todo o tipo de sonhos, mas, infelizmente, as suas vidas nunca os concretizou, pois separaram-se muito cedo, separaram-se porque Bernardo fazia a sua dura vida no mar e ficavam muito tempo sem se ver, mas também porque Amélia, foi trabalhar para Lisboa, com 29 anos, o seu amor, apesar de incomensurável, foi ferido pela distância, mesmo tendo eles, as asas de um cupido esculpidas no coração.

Foram onze os anos que Amélia trabalhou em Lisboa, neste tempo conheceu Antonio, um colega de trabalho, com o qual acabaria por se casar. Depois disso veio para Viana, conseguiu uma colocação no Porto, onde continuou a fazer uma das coisas que lhe dava mais prazer, que a motivava, que sempre quis fazer, ensinar, educar, cultivar, pois era professora de Francês.
António, nunca conseguiu conquistar o coração de Amélia, lutava todos os dias para a fazer feliz, e conseguiu em certos momentos arrancar-lhe um lindo sorriso. Recordo-me de ela me dizer que o António era carinhoso, preocupado e um bom amante, só não tinha a arte nem o engenho para conquistar o seu coração.

Mas, o amor por Bernardo, incendiou o casamento de Amélia, não só porque António foi trabalhar para Timor, mas também porque no dia 5 de Agosto, dia do meu casamento, ela reviu Bernardo, quem já não via, não sabia notícias, não olhava os seus grandes e castanhos olhos passavam quase onze anos.

Naquele momento, Amélia, sorriu, como já não a via fazer há muito tempo, derreteram-se num abraço de saudade, num abraço de amizade e sem dúvida num abraço de amor. Partilharam o passado, recordações, novidades, mas acima de tudo tocaram o coração enamorado e adormecido de ambos.

A partir desse dia, Amélia, que se sentia muito sozinha, perdida, abandonada, pois o seu marido, António, estava em Timor, encontrou o conforto no colo do seu Bernardo, aquele amigo em quem confiava, aquela pessoa que a fazia sorrir, aquela pessoa que a fazia sentir feliz.

Bernardo e Amélia nos últimos tempos, tinham passado a ser mais do que grandes e simples amigos, eles entregaram-se ao calor de uma paixão, de um amor, de uma loucura, obstruída pela incompetência da vida, desviada pelos caminhos tortuosos do pensamento.

Então Amélia, pessoa, sincera e tranquila, que não suportava a mentira, que detestava viver com o peso de quem não é honesto, de quem não tem o coração livre de tudo o que significa amor, respeito e dignidade, não suportou esconder os últimos acontecimentos da sua vida e decidiu abrir o seu coração com António.

Este, dissera-lhe que regressava a Portugal passados três meses, para tratarem de suas vidas, mas que também esperava refazer a sua vida mesmo por lá, pois tinha a certeza que ela seria muito feliz com o Bernardo.
Então, no dia da morte de Amélia, António encontrava-se cá para que ambos acabassem com o que restava das suas vidas em comum, pois tinham decidido terminar com tudo e dar uma oportunidade a ambos para serem felizes.

Mas agora, e principalmente nestes últimos tempos, Bernardo andava estranho, tinha-o ouvido soluçar ao telefone, quando falou de um papel, de algo que tinha encontrado há pouco tempo e desde então o seu olhar transmitia um misto de desespero e alegria.

Naquele papel, amarrotado, que guardava como um tesouro sempre junto ao seu peito, estava a realização de um sonho, um sonho de muitos anos. Estava o que tinha prometido a Amélia, estava o que, junto ao mar iluminados pela imagem da lua reflectida na água, lhe tinha dito na noite em que partira para mais uma jornada.